sexta-feira, abril 27

Norwegian wood

A criança está encostada a um pinheiro de tronco retorcido, com os olhos  postos na réstia de céu que espreita entre as copas de agulhas. Esfrega uma das mãos no vestido largo, na tentativa vã de limpar a resina. Há uma mulher sentada nos degraus da roulote, que limpa com um lenço de papel esfarelado os pés encardidos pela areia cinzenta. Os cabelos de raízes negras emolduram crespos o rosto excessivamente magro e os olhos, tão grandes quanto os da criança, estão fixos nos pés de unhas mal pintadas. Não os levanta quando a criança a chama, franze apenas o sobrolho e responde secamente algo imperceptível. A criança olha para ela em silêncio e limpa as mãos pegajosas de chocolate na saia azul. Há também um homem de olhos pequenos, sentado dentro de um carro de portas escancaradas. Ouve-se o som de uma cítara por de trás de uma voz nasalada. O rádio está incomodamente alto e o homem fuma um cigarro enrolado à mão. A criança aproxima-se a medo e espreita por uma das portas de bordas enferrujadas. Ao senti-la próxima grita-lhe. A criança olha-o, tremendo, imóvel. Ele sai do carro e vendo o vestido manchado abana-a pelos ombros. Levanta a mão.O cheiro enjoativo do cigarro mistura-se com o dos terpenos. A criança foge aos soluços e agarra-se à mulher sentada nos degraus da roulote. Que continua impassível a limpar os pés com lenço esfarelado. Suspira. A criança tenta aninhar-se no colo, ela afasta-a com um gesto do ombro. Já sabes como ele é, não ligues. A criança continua a soluçar. A mulher olha-a contrariada. O cabelo cai-lhe por cima do golpe aberto na linha da sobrancelha. Faz-lhe uma festa desajeitada e raspa-lhe o canto da boca sujo com a unha. Era pior se ele me deixasse sozinha. Olha o homem sentado no carro e afastando a criança com a mesma mão com que lhe fez uma festa, pensa: vou pedir que me enrole um.


Deserto do Mundo, Setembro de 2009


Tarte de chocolate e doce de leite



1 receita de massa quebrada
1 chávena de doce de leite
200 g de chocolate 70% de cacau
100 ml de natas



Forre uma tarteira com a massa quebrada, pique-a com um garfo, e leve ao forno pré-aquecido a 180º coberta por papel vegetal e contas de assar durante 15 minutos. Retire o papel e as contas de assar e leve ao forno mais 5minutos. Retire e deixe arrefecer completamente. Derreta o chocolate com as natas, em banho maria. Deite o doce de leite no fundo da tarte e cubra com o chocolate. Sirva bem fria.


segunda-feira, abril 23

Sigam a música que corre pelas escadas









Da minha janela vê-se uma casa onde se respira arte.  Onde habitam agora, também, as minhas mãos.  Em Óbidos abrem-se as portas de uma casa única, que é uma escola, um chão para todos aqueles que sonham para além das janelas.

Entrem e sigam a música que corre pelas escadas.

domingo, abril 22

Oxalá




Não sabemos parar. As imagens em movimento param-nos o pensamento e por isso colamos o rosto no vidro da vida, vendo-a suceder em fotogramas que se arrastam nos olhos. Num banco de trás de um carro conduzido por um destino qualquer, sem rosto, porque tem de ser.  Queres chá? Há uma mesa que se põe nos  últimos dias de uma casa. Fico a ver o vapor encaracolar-se numa ideia qualquer enquanto esfarelo o miolo do scone com os dedos. Há uma casa que se esvazia do seu vazio de molduras e passado. Sem açúcar, por favor. A colher gira no liquido âmbar da chávena ao ritmo dos olhos que escorrem no pretérito das paredes brancas. Não  inflectimos, porque o destino é um recta  sem funções quadráticas.  Olha que arrefece.  A vida curva-se no linear do que devia ter sido. Lá fora o ar enche-se de uma cor de chumbo.  Amanhã já deve abrir, a chávena esquece-se em cima da mesa. Os recomeços têm sempre um principio frio.

Scones  de maçã e nozes



1 ovo
100ml natas
75 ml sumo maçã
300g de farinha sem fermento
2 colheres de sopa de açúcar
3 colheres de chá de fermento + 2 colheres de chá de cremor tártaro
¼ de colher de chá de sal
100g de manteiga sem sal
1 chávena de nozes picadas
1 chávena de maçã seca

Misture os ingredientes secos: farinha, açúcar, fermento, cremor tártaro e sal. Junte a manteiga e esfarele-a com as pontas dos dedos. Misture os líquidos ( ovo, natas, sumo de maçã) e junte-os  à mistura anterior. Trabalhe pouco a massa, apenas o suficiente para unir os ingredientes. Depois junte as nozes e maçã e envolva na massa. Estenda a massa e dobre-a em quatro e estenda-a de nove. Corte com um cortador redondo e leve ao forno pré-aquecido a 180º até ficarem dourados.


Esta foi mais uma participação nas Dories às Sextas

quarta-feira, abril 18

Domingo


Ao fundo da sala havia uma janela de portadas de madeira branca, com vista sobre os outros terceiros andares. Havia um móvel escuro cheio de prateleiras vazias de livros, onde habitavam molduras que construíam a história de uma família a nitrato de prata.  Naquela sala aconteciam apenas três dias na semana. Nos dois primeiros,  vinha a empregada que fazia a limpeza. Abria a janela deixando entrar o ruido da luz da manhã. Cheira a bolos, dizia enquanto espreitava as pessoas que saiam da pastelaria em frente. Quando era nova comia muitos, cheio de chantilly. E deixava a cidade escorrer no soalho velho enquanto levava o balde  para o outro lado da casa.  No último dia, dessas semanas longas de apenas três dias, vinha o filho. Abria a janela para deixar entrar as memórias de infância e deixar sair o cheiro bafiento do tempo parado. Cheira a bolos. E a chocolate, talvez, dizia.  Lá em baixo as pessoas regressavam da missa, debaixo do repicar dos sinos. Não lhe cheira a bolos, mãe? Ela sentada num canto solarengo da sala desde o princípio dos dias, dizia que não, com a mão trémula e engelhada. Ele juntava-lhe as pernas manchadas e fracas, pegava-a ao colo e trazia até à varanda. Faz-lhe bem apanhar ar. Ela franzia as pálpebras grossas e punha a mão em pala enquanto respirava o ar que pingava na folhagem dos plátanos.  E agora? Já lhe cheira a bolos?  Ela sorria acenando com a cabeça. Comia um. Mas só depois da missa.


Sanduíches de chantilly e morangos




125 g de farinha com fermento
100g de chocolate em barra
150 g de açúcar
4 ovos inteiros
80g de manteiga sem sal
3 colheres de sopa de cacau
1 pacote de natas frescas
2 claras
4 colheres de sopa de açucar
Raspa de laranja
250 g morangos

Derreta o chocolate com a manteiga. Bata os ovos com o açucar e adicione o chocolate derretido. Deite a farinha e o cacau e envolva cuidadosamente. Leve ao forno, pré aquecido a 180º até que espetando um palito este saia seco. Deixe arrefecer complcatamente. Bata as claras em castelo e junte açucar. Bata até ficarem firmes. Bata as natas e junte a mistura de merengue e a raspa de laranja. Corte os marangos e pedaços pequenos e misture. Leve ao frio.
Com um cortador de bolachas, corte rodelas do bolo e recheie com chantilly

sexta-feira, abril 13

Retorno


As estórias dele só poderiam ter acontecido lá. Porque tinham um lugar. Um cheiro. Um céu. As dela podiam ser em qualquer parte do mundo. As estórias dele não cabiam no velho saco da TAP. Transbordavam, sempre que ele guardava lá dentro mais um objecto inútil, daqueles que esperam serem úteis um dia.Nunca eram. As estórias dela cabiam, arrumadas, no álbum de fotografias. Todas elas tiradas dentro de casa, todas elas cheiravam a quotidiano. A roupa estreada, a receita levada em travessa de enxoval ao lanche com as pessoas de sempre. Ele todos os dias olhava para o velho saco da TAP, arrumado no canto escuro da dispensa. Continua cheio, pensava. E para que não transbordasse, por vezes desdobrava as suas recordações em forma de estórias. Que tinham rectas intermináveis e jacarandás em flor. Que sabiam a cerveja e conversas ao fim da tarde. Ela por vezes lembrava-se do seu álbum. Já lá não cabe mais nada. O retorno já foi feito, pensava. E encolhendo os ombros, dizia. Nunca me dei bem com o calor de lá . 

(Deserto do Mundo, Março de 2010)

Lembrei-me desta história enquanto esperava pacientemente que o doce de leite fizesse ponto. A baunilha e a lentidão do tempo têm destas coisas.

Doce de  Leite



1 litro de leite gordo
500g de açúcar
1 vagem de baunilha
1 colher de café de bicarbonato de sódio

Leve o leite, o açúcar e a baunilha ao lume. Quando levantar fervura adicione o bicarbonato ( tenha o cuidado de fazer isto num tacho grande, porque a reacção faz aumentar o volume). Leve novamente ao lume, muito brando, até fazer ponto. ( Ao fim de cerca de 1h e 30 minutos )

quarta-feira, abril 11

Laura


Usava tranças e tinha o rosto coberto de sardas. Levava maçãs para a escola. As mesmas que a mãe dela usava para fazer tartes E havia fumo sempre a sair da chaminé. A avisar que naquela cabana havia uma história. Do outro lado do ecrã, havia eu entre o sofá do canto e uma infância suburbana. Havia o Verão a começar para lá da varanda do segundo andar. As paredes quentes dos prédios espreguiçavam -se nas sombras da calçada. O que é uma pradaria, mãe? É um sítio sem árvores, na América. Deste lado do oceano e do tempo, não havia chapéus presos por fitas no pescoço, nem livros presos por cordéis. Chamava-se Laura e corria por entre gramíneas, que nesse tempo para mim eram apenas espigas, numa terra sem a sombra das árvores das quais eu ainda não sabia o nome. E imaginava o cheiro a maçã e canela por trás da porta de madeira que rangia. Na sala, o estalido da velha ventoinha a girar, tentando afastar o calor de Lisboa. Fazes tarte de maçã, mãe? Está calor para tartes. Come antes um gelado.


Gelado de tarte de maçã


 (aproximadamente  um litro de gelado)

400ml de natas
500ml de leite
6 gemas
200g de açúcar + 3 colheres de sopa
2 maçãs granny smith
30 g de manteiga sem sal
1 colher de sopa de vinho do porto
1 pau de canela
Bolachas de canela

Corte as maçãs em cubinhos. Leve a manteiga e as 3 colheres de sopa de açucar a caramelizar. Quando fizer caramelo junte as maçãs e o pau de canela e deixe-as caramelizar bem. Retire de lume e junte a colher de sopa de vinho do porto. Reserve
Leve metade das natas, do leite e do açúcar ao lume até levantar fervura. Depois adicione as restantes natas e leite. Bata as gemas com o restante açúcar e  vá adicionando a mistura de  natas e leite a poupo e pouco às gemas. Leve o preparado ao lume até engrossar um pouco. Junte o caramelo de maçã e deixe arrefecer completamente no frio. Depois leve à sorveteira e sirva com bolachas de canela picada.


Esta história de ler de comer é a minha participação no desafio Convidei para Jantar.., que tem agora como anfitriã  a Su do Suvelle Cuisine. O tema desta vez eram personagens de desenhos animados. Fugi um bocadinho, mas " Uma casa na pradaria" foi uma das série preferidas da minha infância e cpmvidei para jantar a Laura Ingalls de Uma Casa na Pradaria.





segunda-feira, abril 9

Doppler

Vivia numa rua em Alcântara, perto do Calvário. Mesmo por cima da loja que vendia Morangos em Maio e alguidares de barro todo o ano.  Todas as manhãs, da janela da sala, onde apenas cabia o tempo do sofá coçado e a vista para a ponte, via ser desenrolado o  toldo cor de laranja. Bastava-lhe o primeiro chiar enferrujado para se chegar à janela. Lá em baixo,  a cabeça cor de baunilha oleosa acenava a quem passava. Bom dia, senhor Ernesto, dizia. Ele dobrava a manivela e encostava-a à parede descascada. Bom dia, menina. .   Depois ficava os minutos que lhe sobravam até ser hora do autocarro, a ver os carros afastarem-se na ponte.  Embalava-a,  aquele som que se perdia até ao outro lado do rio.  É o efeito de Doppler, dissera-lhe um dia um dos alunos que passara pela sua cama.  Não se lembrava do rosto dele. Mas lembrava-se da voz tímida, sentada, em tronco nu, no sofá coçado da sala. É o efeito de Doppler, repetira, tão a  medo,  como lhe tocara no corpo nessa noite. A percepção das noites esbatia-se quando eles se afastavam do quarto, dobrando a esquina da rua. Depois, esquecia-se do rosto de todos eles.  É o efeito de Doppler, murmurou. Lá em baixo uma velha escolhia um alguidar de barro. 


Junho de 2011 ( Deserto do Mundo)






Compota de morango e baunilha








1200 g de morangos
200 g de açúcar granulado
250 g de açúcar com pectina
1 vagem de baunilha


Lave e corte os morangos. Deite-os numa tigela juntamente com o açúcar granulado e  as sementes que raspou da vagem de baunilha. Deixe a macerar no frigorífico pelo menos 8 horas. Depois, leve ao lume com o açúcar com pectina e deixe ferver em lume muito brando durante  cerca de 10 minutos. Triture. Leve de novo a lume brando até fazer ponto ( quando deitar uma pequena porção num pires, este deverá fazer estrada se passar com uma colher).
Deite em frascos esterilizados.





quinta-feira, abril 5

Violeta


Às quintas à noite levava a tábua de passar a ferro para a sala. Abria a janela e enquanto esperava que o ferro aquecesse, abria-se a janela da casa ao lado. Amami, Alfredo. Semicerrava os olhos e molhava o indicador na saliva para experimentar a temperatura do ferro. Amami, Alfredo. Passa o dia a ouvir ópera, dizia-lhe a sobrinha que fazia a limpeza da casa dele, às quartas-feiras. Senta-se no sofá, e fica ali de olhos fechados a ouvir discos atrás de discos. Diz que estudou para cantor, mas acabou numa repartição qualquer. Nem sei se é viúvo, ou solteiro. Mas é muito asseado. Ela, tirava uma camisa e imaginava-o. De olhos tão verdes como o rasto de água-de-colónia que deixava nas escadas quando passava. Cheirava a amêndoas. Dele só lhe conhecia o vulto que via pelo óculo da porta, e as camisas que a sobrinha lhe trazia para passar. Encontrara-o apenas uma vez na mercearia, mas baixara os olhos ao lhe ver a nuca no pescoço atarracado, para que não estragasse a imagem que a vinha buscar às quintas à noite. Dobrava delicadamente o cheiro da camisa lavada, imaginando a notas de colónia entranhando-se no algodão ao longo da rotina dos dias. Depois, a música parava. Ouvia-lhe os passos na varanda e o estalido surdo do isqueiro. Guardava a tábua e sentava-se de costas para o vidro da janela inspirando o cheiro de amêndoas que música lhe deixara na sala.




Torta com creme de amêndoa



Para a torta:

4 ovos inteiros
150g de açúcar
75 g de farinha com fermento

Bata os ovos inteiros com o açúcar durante 10 minutos. Envolva cuidadosamente a farinha peneirada. Leve a forno pré-aquecido a 170º ,  num tabuleiro forrado a papel vegetal ( que deve ser untado com manteiga) durante 10 minutos.

Para o creme:
6 gemas
125g de amêndoa moída
200g de açúcar
100 ml de água
1 colher de sopa de licor de amêndoa amarga
1 pau de canela

Leve o açúcar, a água e a canela num tachinho ao lume. Deixe ferver em lume brando durante 10 minutos e junte a amêndoa. Deixe arrefecer e junte as gemas eleve de novo ao lume até engrossar. Retire e adicione o licor.
Deite o creme sobre o bolo, e enrole –o. Polvilhe com açucar em pó e decore com amêndoas laminadas.