quarta-feira, novembro 30

Sabão de Marselha


Gostava de ter a casa a cheirar a sabão. Dissolvia meticulosamente os pedaços amarelados no balde, colocava uma toalha turca desbotada dobrada em quatro para assentar os joelhos e com gestos circulares lavava o chão de tijoleira. Depois de lavar o chão, tirava o avental, colocava o colar de pérolas que o marido trouxera em troca de dinheiro que lhe deviam e calçava os sapatos de cetim que usara no dia do seu casamento. Sentava-se ao topo da mesa da cozinha a comer os bolos de amêndoa que fazia todas a sextas -feiras. Comia-os lentamente enquanto olhava para os sapatos de biqueira engelhada e deformada pelos joanetes. No dia em que teve aquela dor no peito, não teve tempo de pôr o colar de pérolas, mas ainda conseguiu calçar os sapatos de cetim, que deixava sempre alinhados à porta do quarto. Foi a última coisa que conseguiu fazer antes de se deixar morrer no chão de tijoleira impregnado de sabão.



Bolinhos de amêndoa






250g de açúcar em pó
500g de amêndoa moída
6 gemas

Pré-aqueça o forno a 180º. Misture o açúcar com a amêndoa e junte as gemas. Bata bem. Forme pequenas bolas e leve ao forno durante  15 minutos.

domingo, novembro 27

Rua do Capelão

( Desafio: Uma receita para a Maria)



Flora viera de Timor ainda pequena, e gostava de fado. Mas ouvia-o em segredo, porque para os outros tinha de gostar da mesma coisa que todos. E aos quinze anos, não havia ninguém, entre todos, que gostasse de fado. Guardava um disco de vinil da Amália entre os livros de físico-química, que ouvia quando estudava  sentada no canto da mesa da casa de jantar. Com os olhos amendoados, que diziam ser da mãe, perdidos na janela aberta para os prédio suburbanos. Cerrava os olhos segundos antes de terminar o fado e tentava imaginar o que seria uma juncada de rosmaninho.

Crepes com molho de laranja



Para os crepes ( 4-6 crepes)
½ chávena de farinha
½ chávena de leite
2 colheres de sopa de açúcar
1 ovo
1 colher de sopa de água
1 colher de sopa de manteiga derreitoda

Misture a farinha com o açucar e junte o ovo. Bata muito bem. Junte o leite e manteiga derretida e misture. Deixe repousar pelo menos meia hora. Antes de fazer os crepes junte a colher de sopa de água. Leve uma frigideira a lume brando e quando tiver quente deite colheradas da massa até cobrir o fundo da frigideira com uma camada fina. Quando os bordos do crepe se começarem a ficar dourados e a soltar, desprenda-os com uma faquinha e com a ponta dos dedos puxe uma das pontas do crepe e volte-o rapidamente. Repita o processo até ficar sem massa.

Para o molho de laranja
1 chávena de sumo de laranja
½ chávena de açúcar
1 colher de chá de farinha
Esprema laranjas até obter um chávena de sumo . Dissolva a farinha do sumo e leve ao lume num tacho, juntamente com o açúcar. Assim que levante fervura, baixe o lume para o mínimo e deixe reduzir durante 10 minutos
Sirva os crepes regados com este molho. Poderá polvilha-los com canela, ou então “quando o rei fizer anos” e houver chocolate, raspe com uma faquinha a tablete e sirva juntamente com o molho





quinta-feira, novembro 24

Cantigas do Maio

Usavam ambas risco ao meio e o cabelo escorrido pelas costas. À noite vinham fumar à varanda. Falavam baixinho com vozes delicadas e cheiravam a incenso. Eu espreitava-lhes os vultos da minha janela. As conversas delas escorriam pelo tempo do parapeito, enroladas no fumo do tabaco e na música baladeira que saía de dentro do apartamento decerto tão diferente do dos meus pais. Também vinham à varanda nas manhãs de Domingo, e enquanto eu esticava as meias de croché pelo joelho, as meias de ir à missa, elas comiam panquecas saídas dos filmes americanos e bebiam café por canecas. Eu mirava-lhes as saias compridas pelos tornozelos e as alpercatas chinesas bordadas no peito do pé. E as baladas cantadas pelo homem de voz triste. As mesmas que o meu pai desligava com a indiferença politica, quando tocavam no rádio. Tens lume? Perguntou-me um dia uma delas, anos depois do tempo da varanda. A voz dela ainda pingava por entre as baladas do homem de voz triste. Tens lume? Baixei os olhos e senti uma das meias de croché a resvalar pela perna. Não. Não fumo. Nunca fumei.


Paquecas com molho de framboesa

Para as panquecas

1  e ¼  chávena de farinha sem fermento
1 colher de chá de fermento em pó
1 ovo
1 chávena de leite
1 saqueta de açúcar baunilhado ( aproximadamente 10g)
30g de manteiga derretida sem sal

Misture a farinha, o fermento e o açúcar. Bata o ovo com o leite e misture com a farinha e o açúcar. Junte a manteiga derretida. Aqueça uma frigideira anti-aderente  e deite colheradas de massa. Deixe cozinhar  em lume  brando até que faça bolhas à superfície. Volte e deixe cozinhar 1-2 minutos.


Para o o molho

300g de framboesas congeladas
1/3 chávena de açúcar
1 colher de chá de raspa de limão

Leve as framboesas ao lume com o açúcar e o a raspa de limão. Deixe ferver durante 6 minutos (verifique se as framboesas se desfizeram todas). Coe o molho por um passador de rede para tirar as sementes. Sirva com as panquecas.

domingo, novembro 20

Verdes anos

O irmão visitava-os ao Domingo, que podia ser o primeiro ou último de cada mês. Ela fazia bolo de chocolate e tirava as estatuetas de pau preto e marfim que tinha na estante da sala. Escondia-as no velho saco da TAP que voltara de lá, forrado com as economias. Com a mesma delicadeza com que cortava as fatias do bolo, pedia ao marido que não falassem de politica. Deixei lá a minha vida, respondia-lhe ele com a voz embaciada. Eu perdi lá o meu outro irmão, retorquía ela. Servia o chá na sala e ouviam Carlos Paredes no silêncio incómodo do ressentimento. Quando ela lhe estendia o prato do serviço chinês com uma fatia de bolo, o irmão sorria e chamava-lhe burguesa. Ela debruçava-se e dizia-lhe baixinho, as memórias também se curam.


Brownies marmoreados


200g de chocolate branco
200g de chocolate preto
125 g manteiga sem sal
200g de açúcar
5 ovos
30g de cacau em pó
1 colher de chá de essência de baunilha
140g de farinha sem fermento
pitada de sal fino

Aqueça o forno a 170º. Unte uma forma quadrada com manteiga e forre-a com papel vegetal. Derreta o chocolate com manteiga em banho maria. Bata os ovos com o açúcar e junte o cacau. Misture bem e junte o chocolate derretido com a manteiga. Adicione a baunilha e o sal e depois a farinha envolvendo-a cuidadosamente. Deite a massa na forma quadrada e alise-a.Derreta o chocolate branco em banho maria e deite-o sobre a massa de chocolate preto de modo a obter um aspecto marmoreado. Leve ao forno cerca de 25 minutos. Desenforme e corte em quadrados depois de frio.

terça-feira, novembro 15

Dos outros

As duas mulheres da mesa ao lado falam da vida dos outros. Falam com as certezas de quem não sabe nada. De quem não conhece a vida para além do que parece. Há uma terceira que atravessa as arcadas. Aproxima com um sorriso débil, quase a pedir desculpa. Tudo bem? As outras dizem que sim. Ela diz que não, arrastando a voz na tristeza dos dias. As outras esboçam um sorriso em troca do silêncio de quem não sabe o que dizer. Senta-te. Não, o autocarro está quase aí. Olham as três para o desconforto da rua vazia. Os olhos da mulher de pé escorrem dos cones de jornal que o homem das castanhas enrola, para o chumbo do céu que dissolve no rio. As outras tomam-lhe o peso dos dias no cabelo mal pintado e nas unhas roídas. Mexem as colheres nas chávenas, agitando o silêncio húmido dos olhos dela. Não, não está tudo bem. Mas as certezas dos outros são surdas. A mulher despede-se com o mesmo arrasto triste com que chegou. Atravessa a rua e pede uma dúzia de castanhas. Bem-haja, diz-lhe o homem. As mulheres sentadas retomam a conversa sobre a vida dos outros. Uma delas suspira. É a vida.




Castanhas caramelizadas








300g de castanhas congeladas
125 g de açúcar
40g de manteiga




Leve a manteiga e o açúcar ao lume até fazer um caramelo dourado. Junte as castanhas e deixe-as caramelizar durante 5 minutos. Deite-as numa rede e deixe-as arrefecer




Receita adaptada de Vaqueiro

sexta-feira, novembro 11

18


Espera o eléctrico sentado no banco da paragem. Nos joelhos a caixa de cartolina branca, com nódoas da manteiga, das bolachas que compra todas a sextas -feiras na pastelaria do Calvário. Pousa as mãos magras manchadas pelos oitenta anos em cima da pequena caixa e espera. Está quase, vai dizendo a quem chega, sorrindo com a dentadura nova que a filha lhe pagou. Há dias em que vêm dois de seguida, mas é um instante. Os olhos dos outros, dobram-se na impaciência de quem não sabe que um instante passa numa vida inteira. E ele sorri com os seus dentes feitos num consultório de Benfica. As portas do eléctrico abrem-se, ele pica o bilhete e faz um gesto com a mão livre ao condutor. Senta-se com o equilíbrio de quem conhece todos os solavancos da subida para a Ajuda. Em pé ficam os estudantes, muitos cheios de malas com roupa suja, prontos para chegar à terra à sexta à noite. Ele cerra as pálpebras engelhadas e sente a aspereza do granito e o uivar dos lobos cortando o frio da serra e as frieiras das mãos. O eléctrico faz a curva num solavanco e percorre lento o muro da Tapada. Há alguém que toca à campainha. Na entrada da casa dos pais havia um sino velho. O frio húmido das manhãs entranhado nas camisolas de lã áspera. Ajeita-se no lugar para deixar sentar outra velha, talvez menos velha que ele. Outro solavanco. Os estudantes saem com as suas malas de roupa suja. A dele, a que trouxe no comboio até à cidade, tinha roupa lavada e os uivos dos lobos. Levanta-se lentamente apertando contra si a caixa das bolachas. A mulher desvia os joelhos apertados pelas meias de descanso para o deixar passar e fica de olhos postos na caixa. Ele sorri de novo. Foi o açúcar que me deu cabo dos dentes. O eléctrico pára de novo. Saio aqui. Foi um instante.




Bolachas de manteiga e tangerina

( aproximadamente 36 bolachas)


400g de farinha sem fermento
300g de manteiga
200 g de açúcar
Raspa de 3 tangerinas
1 colher de sopa de sumo de tangerina
1 colher de café de sal fino


Bata a manteiga amolecida com o açúcar. Junte o sal, o sumo e raspa das tangerinas. Junte a farinha e amasse. Faça uma bola com a massa e leve ao frigorífico durante cerca de uma hora. Pré-aqueça o forno a 180º. Estenda a massa numa superfície enfarinhada e use um cortador de massa para cortar as bolachas. Leve-as ao forno, em tabuleiros forrados a papel vegetal durante cerca de 20 minutos. Polvilhe-as com açúcar granulado ainda quentes.



segunda-feira, novembro 7

Port de bras

Ao cimo das escadas em caracol havia uma sala, submersa na luz trémula e amarela que era coada pelos vidros martelados da janela. Nessa sala habitavam duas mulheres. Uma cujos os olhos só se iluminavam quando dançava, de braços tão esguios que apanhavam a música que escorria para os cantos da sala. Outra de cabelos ruivos e crespos e rosto quase invisível, porque dela só me lembro das mãos e dos sapatos velhos de atacadores sobre os pedais. A um gesto surdo da mulher dos braços esguios ela deixava cair os dedos sobre o piano e a luz deixava de ser trémula e ganhava a liquidez dos acordes. Ao cimo das escadas em caracol havia uma sala e duas mulheres. E muitos corpos, mornos, ainda sem formas, vestidos com maillots azuis. Corpos alinhados, ao longo de uma barra de madeira, tentando com os dedos ainda curtos da infância apanhar a música que lhes escorria pelos gestos. E havia a voz da mulher de braços esguios, que voava. Naquele tempo, parecia-me que ela podia voar, que voar é tudo o que fazemos para além de nós. Cerrava os olhos e imaginava que os meus braços, as minhas pernas, os meus medos perdiam o peso que os prendiam ao soalho empoeirado, e as dores dos músculos que se queriam ainda pequenos tornavam-se círculos e semicírculos cujos nomes a mulher de braços esguios soprava numa língua doce com sabor de poesia. Ao cimo das escadas em caracol havia uma sala, e havia eu, de braços curtos que só cresceram depois das palavras, das minhas palavras, que se dobraram no espaço para que eu pudesse dançar.



Tanto a historia de Ler, como a de Comer de hoje foram contadas na abertura da escola de Dança e Artes de Óbidos. Uma quase memória oferecida à equipa que tornou possível esta escola. Bem hajam!





Pavlova com lemon curd e frutos do bosque



10 claras à temperatura ambiente
350 gramas de açúcar granulado fino
1 colher de sopa de maizena
1 colher de sobremesa de vinagre de vinho branco
2 colheres de chá de baunilha
400g de mistura de frutos do bosque frescos ( framboesas, mirtilos e groselha)
200ml de natas + 1 colher de sopa de açúcar em pó
1 chávena de lemon curd


Bata as claras em castelo e depois adicione em chuva o açúcar. Bata até obter uma massa consistente, e adicione o vinagre, a baunilha e a maizena. Bata mais um pouco. Desenhe dois círculos em dois tabuleiros forrados a papel vegetal e divida a massa pelos dois círculos. Leve a forno pré-aquecido a 120º durante cerca de 1h.30m.
Bata as natas em chantilly juntamente com a colher de sopa de açúcar e reserve
Retire os merengues e deixe arrefecer completamente. Coloque um dos merengues num prato de servir e cubra com o lemon curd. Coloque o segundo merengue por cima e cubra com o chantilly e decore com os frutos vermelhos

* Receita da Pavlova, adaptada de Nigella Lawson





quinta-feira, novembro 3

1983

As mulheres, a minha mãe e a irmã, ficavam na cozinha debruçadas sobre as páginas brilhantes da revista de costura. Lá fora o Outono de Novembro descia sobre as hortas. O Outono da revista era feito de crianças louras que levavam cones gigantescos nas mãos. O outro, o meu, estendia-se até às encostas cobertas de árvores que nesse tempo me pareciam todas iguais, onde as crianças eram morenas e vestiam camisolas de losangos com borboto e cotoveleiras de bombazina. A minha tia afastava as tigelas de marmelada para o parapeito cheio de frascos de erva-cidreira e cactos raquíticos, para poder estender as folhas pardas de múltiplas linhas em cima da mesa da cozinha. A luz oblíqua descia sobre os cães deitados na gravilha do caminho. Do sótão descia o cheiro forte das maçãs reinetas guardadas para o Inverno. Vens? Perguntavam os meus primos. Corríamos pela estrada de gravilha murada por silvas. Na curva, à entrada da vinha estava sempre um homem sem uma perna, apoiado por uma bengala de cana retorcida. Com as unhas escuras abria pevides e atirava para o lado as cascas. Perdeu-a na guerra. Sussurrava-me sempre um dos meus primos. Pisou uma mina. Os olhos apagados e magros do homem baixavam-se à nossa passagem, enquanto tossia e comia pevides. Quantos pretos matou por lá, tio Álvaro? Os olhos avermelhavam-se enquanto a espuma lhe cobria os cantos da boca. Estupores, gritava enquanto fugíamos pelo caminho de gravilha, estupores. Lá em baixo os cães ladravam aos gritos do homem e o fumo da chaminé lembrava-nos que o meu tio acendera as brasas para o serão.





Tarte de maçã com marmelada e vinho do Porto





Para a massa:

350g de farinha sem fermento
150g manteiga sem sal, fria
2 colheres de sopa de açucar
80-100ml de água fria
1 ovo inteiro
1 colher de chá de sal fino

Misture a farinha, o açúcar e o sal. Junte a manteiga em cubos e com as pontas dos dedos esfarele até obter uma textura granulosa. Junte 80 ml de água fria e ovo inteiro e amasse um pouco até obter uma massa homogénea. Se necessário, junte os restantes 20 ml de água. Leve ao frigorífico durante 30 minutos para repousar.


Para o Recheio

1 kg de maçãs reinetas descascadas e descaroçadas
200g de marmelada
60ml de vinho do porto
4 colheres de sopa de farinha sem fermento
2 colheres de sopa de açúcar
raspa de 1 limão
1 colher de chá de canela
1 gema de ovo + 1 colher de sopa de água para pincelar

Pré-aqueça o forno a 180º. Bata a marmelada com o vinho do porto até obter um creme liquefeito. Reserve.  Misture a farinha, com o açúcar, a canela e a raspa de limão. Reserve. Unte uma forma de aro com manteiga. Estenda 2/3 da massa e forre a forma, tendo o cuidado de deixar massa para além do limite da forma para depois enrolar. Corte as maçãs em fatias bem finas.  Disponha no fundo uma camada de maçã, depois uma de marmelada e termine polvilhando com a mistura de farinha. Repita o processo até esgotar os ingredientes. Estenda a restante massa e cubra a tarte. Pincele com a mistura de ovo e água e faça alguns golpes no topo.
Leve ao forno  até a massa estar dourada. Pode ser servida morna ou fria.